A queda da taxa Selic tem levado diversos investidores a buscar ativos de maior perfil de risco e retorno, a fim de fugir da “perda fixa”.

Bancos de investimento já têm publicado relatórios recomendando realocação de carteiras, com aumento substancial para Temas Específicos, de 0% a 2,5%, 3,5% e até 5% dependendo do perfil do Investidor – Moderado, Dinâmico e Arrojado, respectivamente. Tais temas incluem investimentos de longo prazo e baixa liquidez, diversos das carteiras específicas (Índices Amplos, Dividendos, Valor, Multimercados, Ativos Internacionais e Imobiliários) e que, portanto, incluem private equity, venture capital e, neste caso particular, seed capital e investimentos early stage (anjos, friends and family).

Assim, seja pela recomendação formal dos Bancos, a frustração com o baixo rendimento da renda fixa ou a ambição de participar do rápido crescimento do valor de unicórnios bilionários, o resultado é um só: o substancial aumento do interesse de investidores pessoas físicas por diversificar seu portfólio e investir em startups.
A mídia já notou: portais de Internet focados, seções inteiras em veículos de imprensa tradicionais como o próprio E-Investidor aqui do Estadão, programas de TV e reality shows se dedicam de forma específica ao assunto. Não por acaso, também aumentaram os grupos de anjos – se antes a Anjos do Brasil era um solitário desbravador deste mercado, graças ao valioso e pioneiro trabalho da Maria Rita, hoje já se existem dezenas de grupos correlatos – Harvard, Poli, Wharton, GV, Insper, LAAS, Verus, Insead, MIT, iAngels, FEA, Gávea, Curitiba, BR Angels, para citar apenas alguns.

Este movimento é extremamente positivo, já que aumenta o volume de capital disponível a startups em fase de crescimento.

Mas, ao contrário dos ativos tradicionais, investimentos em startups early stage – e, por definição, privadas – não dispõem de veículos massificados, a exemplo dos fundos mútuos distribuídos por corretoras e bancos de varejo. A maior parte dos fundos de venture capital e private equity foca em rodadas série A e tem requisitos regulatórios que na prática limitam o acesso a investidores institucionais ou de alta renda, com tickets mínimos superiores a R$ 1M.

Se a educação financeira pessoal e o aprendizado sobre investimentos e ativos tradicionais já guardam desafios de aprendizado e decisão, imagine então investir em startups no contexto acima listado.

O perigo? A chegada deste volume de investidores com mindset tradicional (e portanto correto para ativos tradicionais), acostumados a dividendos, reports & análises de gestores experientes, finanças auditadas, crescimento previsível, liquidez dos ativos listados em Bolsa e possibilidade de se limitar perdas.

No mundo early stage, tais investidores passam a pisar no terreno incerto, volátil e extremamente dinâmico das startups que, por definição, são organizações temporárias em busca de um modelo de negócios escalável, repetível e lucrativo. Com enorme potencial e idéias inovadoras, mas também com finanças em Excel, lista de clientes diminuta e tocadas em grande parte por empreendedores de primeira viagem – jovens e inexperientes.

Tudo é tão diferente que até os jargões mudam. Sai o plano de negócios, entra o business model canvas e o pitch deck. A estratégia do negócio não é alterada por não estar funcionando, ela sofre um pivot. A empresa não cresce, ela acelera, escala, traciona! Ela não apenas gera receitas com clientes pagantes, ela monetiza. O produto não é cru, incipiente e extremamente simples, ele é … minimamente viável (MVP).

A startup, quando bem sucedida, vai ser mais do que uma mega corporação: ela vai ser um unicórnio. E você não foi deixado de fora, não é mais um mero investidor, você é um anjo. Que não apenas vende sua participação com lucro, mas sim faz um exit em um evento de liquidez. (Por outro lado, também não perde seu capital, faz um write off).

Pois bem, seja bem vindo ao meu mundo.

O desafio para tais investidores, muitos recém chegados: o investimento em startups em estágio inicial traz consigo de forma inata inúmeras particularidades (muito além dos jargões acima) que o tornam substancialmente diferente de ativos clássicos como CDBs, fundos mútuos, ações de companhias abertas listadas em Bolsa, debêntures ou mesmo participações societárias em pequenas empresas.

Para citar apenas algumas, mais críticas:

  • a atração de boas oportunidades e acesso preferencial (dealflow);
  • o tamanho do investimento para execução de estratégia (runway);
  • a assimetria de informação quanto ao negócio e empresa entre founder e investidor;
  • a apresentação e entendimento do negócio embrionário (business plan x pitch deck);
  • a inexistência de reports financeiros formais (quanto menos auditados!);
  • a maturidade de canais e alavancas de crescimento (experimentos de tração);
  • a estruturação do investimento em dívida conversível versus equity;
  • o altíssimo risco de perda total do valor investido, e até mesmo mais do que ele, com impacto no patrimônio pessoal em caso de entrada direto no equity e com passivos trabalhistas e tributários;

Você: anjo fresco

Agora que você está ciente que precisa fugir da perda fixa e melhorar o perfil de risco x retorno do seu portfólio, já pode começar com o pé direito sua jornada como investidor anjo, desde que tomando cuidado conhecendo as diferenças entre ativos tradicionais e startups.

Nos próximos artigos, irei tratar de forma individual cada tema referenciado nesta coluna: fontes de informação e capacitação, primeiros passos, principais dúvidas, maiores erros, pontos de atenção na análise e validação de oportunidades, modelos de documentos e cuidados ao formalizar seu aporte, formas de agregar valor às startups investidas (smart money).